Em 1976, uma renomada marca italiana da indústria automobilística, conhecida por sua tradição, lançou aqui seu primeiro hatch: um pequeno e moderno carro que inovou o país em termos de tecnologia. O modelo em questão apresentava características técnicas das mais interessantes: foi o primeiro nacional a utilizar motor e embreagem transversais, tinha uma aparência compacta pela exterior, mas era muito espaçoso pela interior, incluindo pneus radiais em série e um sistema mecânico que demonstrou um baixíssimo consumo de combustível para a época.
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Mas o grande problema do carrinho ítalo-brasileiro era que ele seguia uma filosofia diferente de manutenção: em vez dos serviços corretivos, que usávamos há décadas (quebrou, consertou), ele seguia a abordagem das revisões preventivas. Ou seja, a cada certo número de km, ele exigia uma manutenção programada. Mas os brasileiros estavam acostumados a reparar os carros só quando paravam, quebrados, fazendo a famosa manutenção corretiva, coisa típica dos Fuscas. O italiano não gostava muito disso, e aí começaram os problemas. Muitos deles, inclusive, foram muito graves….
A correia dentada da válvula de comando do eixo, por exemplo, era substituída apenas pelo motorista brasileiro quando quebrava, e não a cada 30 ou 40 mil km como indicavam as diretrizes de manutenção preventiva. E olha que, quando quebrava, os estragos eram graves: os pistões chegavam a bater nas válvulas abertas e, dependendo, quebravam o motor em toda a sua extensão! Esse é só um dos pequenos exemplos dos problemas que criaram uma má impressão com aquele projeto de carro compacto europeu.
A coifa das juntas homocinéticas era ignorada por todos. Muitos motoristas sequer sabiam da sua existência, e quando sua borracha se soltava, a sujeira entrava na homocinética e ela começava a bater. Em dado momento, o desgaste era inevitável. Tudo isso fazia parte da tão citada manutenção preventiva, que nunca era feita.
O monobloco do Fiat 147 era muito vulnerável
Além disso, os carros mostravam características de projeto que não estavam projetadas para a qualidade das nossas ruas e estradas. Com uma caixa de carga monobloco frágil, eles eram excelentes nas rodovias europeias, que pareciam tapetes, mas sofreram nas nossas buraqueiras, desníveis e trilhas de terra. Bastava seguir atrás de um desses carrinhos para observar a caixa de carga sacudindo para um lado e a tampa da cardeira do porta-malas para o outro. Ele se torcia inteiramente, o que acabava prejudicando ao seu funcionamento.
Explico: o seu câmbio robusto, por exemplo, sofria muito com a torção excessiva do monobloco. Com isso, as trocas de marchas eram feitas quase que por sorte. Quando você, por exemplo, ia subir de segunda para terceira, a marcha se soltava, fazia o “H” para a outra, e ela não estava lá! Dependendo, o movimento da carroceria torcendo era tão grande que o mecanismo da alavanca para o câmbio, por varão, já não encontrava mais o engate da terceira. Era mais ou menos questão de sorte, e as melhores passagens eram feitas com o carro em piso plano, sem muita ondulação.
Dirigir esse carrinho era uma verdadeira aventura. Você pensa que os problemas acabaram por aí? Não, definitivamente não. Na suspensão dianteira, do tipo McPherson, os projetistas optaram pela barra estabilizadora como tensor das suspensões da frente em vez de utilizar um triângulo inferior. Com o tempo, freando e acelerando, sua manga de eixo alterava constantemente o câstere das rodas dianteiras, que mexiam para frente e para trás. A solução foi adotar a barra estabilizadora.
Sem a manutenção preventiva, era uma bomba
Tudo bem onda. Mas, ao longo do tempo, surgiam fendas nas buchas e borrachas da barra de estabilização, e, consequentemente, as rodas começavam a se movimentar mais para a frente e para trás. Basta imaginar o quanto isso afetava a geometria da suspensão e o comportamento na direção do hatch. E as coisas podiam se complicar ainda mais. As vigas que apoiam a barra de estabilização eram facilmente solúveis com o tempo, e acabavam apodrecendo. Ou seja, tudo ficava cada vez mais perigoso.
Obviamente, se fossem feitas as manutenções preventivas, qualquer mecânico perceberia as folgas das buchas ou veria o enfraquecimento das longarinas. Mas nossa cultura automotiva era de rodar até quebrar e depois resolver no compartimento. Toda a segurança e direção do carrinho estavam comprometidas com essa cultura de revisões corretivas.
E havia outro calcanhar de Aquiles do famoso hatch italiano, confie! O câmbio zombava mais do que uma viúva em um funeral. Tamanho era o barulho que ele fazia, era difícil até mesmo conversar com outro ocupante dentro dele. Arranhar marchas? Isso era absolutamente comum nele, principalmente ao ajustar para a 2ª ou a 3ª. E esse era um problema insolúvel, já que aquela transmissão manual era, de fato, ruim. Dava problema e tinha falhas de projeto. Até por isso, era absolutamente comum instalar e consertarem o câmbio desses carros a cada 30 ou 40 mil km. Dependia do cuidado do motorista na direção. Cafungado!
Pelo que isso inclui, pode se ter uma ideia do que é ter um desses carrinhos no Brasil, principalmente aqueles da primeira leva de produção nacional, entre 1976 e 1978 ou 1979. Ele era econômico em consumo de combustível, sim, gastava bem pouca gasolina. Mas, em contrapartida, aquele que não cuidasse muito bem da sua mecânica, seguindo as revisões programadas, acabava vivendo momentos difíceis como proprietário do hatch. Se você não se cuidasse, ficava na rua ou dançava no trem de Paramos do Sul.
Mas devo admitir, o tal hatch de projeto italiano foi um marco na nossa indústria automobilística. Ele inovou em vários conceitos, e quando corretamente mantido, atendia bem às necessidades do nosso público, oferecendo inclusive espaço e conforto para famílias com quatro ou cinco integrantes. Enfim, histórias que não podem ser simplesmente apagadas…